sexta-feira, 31 de agosto de 2012

lusco-fusco



Ali fiquei, entretida olhando o efeito do tempo sobre as coisas.

A borboleta vadiando entre mesas de esplanada como se fossem flores; o pombo debicando migalhas perdidas; os namorados,  balançando os risos num corpo que o abraço fundiu;  as meninas adolescentes, passeando nas mini-saias e decotes promessas que não pretendem cumprir e que o inverno há-de abafar.

A minha caneta, cumprindo-se sobre o papel; o minúsculo aparo tornando-se céu no reflexo da luz solar, num arco-íris, este apêndice de mim pelo qual escorrem letras; por instantes faz-se silêncio, nem  conversas animadas de turistas, nem cantos de miúdos rua abaixo, nem Amália ao longe, na carrinha que teima em alimentar o fado. A palavra inventando-se e eu.

No final, quando a premência das horas me acorda, peço licença à escrita, para que me abra a porta da realidade. Levanto-me com a lentidão dos que acordam aos poucos;  esvaiu-se o sol no lusco-fusco de todas as paixões, de todas as razões, de todos os medos.

Rasgo o papel. Guardo a caneta. Pergunto pela conta. Pago.
Rumo ao covil  onde me habito!


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